Proponho uma revolução. Sem alardes e quase sem gritos. Sem grandes movimentos de volumes. Será um gotejamento lento e contumaz; um sussurro todas as noites enquanto dormem. Proponho um boicote aos de gravata fosforescente, uma reeducação aos de camisas limpas e passadas a ferro.
O plano é aparentemente simples. Começarei eu mesmo. Conseguirei um trabalho de estacionar carros no melhor hotel da cidade. O desempenharei com eficácia e amabilidade. Cumprirei todos os dias as exigências do meu emprego com a maior das disciplinas e sem levantar suspeita alguma. Serei servil com o banqueiro encapado em meu ridículo fato de cores pirosas e boné de prato. Entregar-lhe-ei sua grande berlinda com celeridade e com um sorriso; nada poderá avisa-lo do que se vai desencadear. Um dia, quando procure seus óculos de sol no porta-luvas encontrarar-se-à com um poeminha de Rimbaud; o lerá; e já estará tudo em marcha.
Ele será o primeiro, mas haverá mais, pouco a pouco, em todos os autos.
Quando o advogado triunfador, seguro de si, desça o guarda-sol, lhe cairá voando devagarinho uma ode de Walt Withman.
Nos carros oficiais dos gerais ordenei primorosamente versos de Benedetti no depósito da água; quando lhe dêem ao limpa-vidros o pára-brisas começará a desenhar-lhes "Corpo Docente" ," Uma mulher nua no escuro" ou qualquer outra.
Em meu carro destrambelhado conectei os poemas de Cortázar às luzes de cruzamento e vou pelas noites deslumbrando aos demais com " Canada Dry" e tantas mais.
A um taxista que trouxe do aeroporto a um desenhista de moda lhe instalei nas luzes do tecto que marcam as diferentes tarifas uns poucos versos de Pessoa, Álvaro de Campos, Alberto Caeiro e Ricardo Reis, para que vão mudando segundo lhe dê ao taxímetro.
Enchi um olho-d'água da bomba de gasolina do meu bairro com o Cântico Espiritual de São Juan De La Cruz, e agora, quem se assoma à janela, vê sair o misticismo dos canos de escape. Amanhã vou pintar as rodas do carro do presidente com Ángel González; o farei com pintura de água para que quando chova nos deixe as ruas perdidinhas de Angel.
Fica ainda tanto por fazer!
Será uma guerra sibilina e subtil contra Notários, um calhau no sapato dos jornalistas a cada dia; serão curto-circuitos nos semáforos. Com o tempo se irão empapando os políticos, terão os juízes remorsos, Nadal começará a tirá-las fora. Nas fotos dos radares aparecerá gente disfarçada de palhaço ou de Spiderman. O Papa desdobrará uma camisinha na intimidade de seu banho pensando: e se estiver certo? Os jogadores de futebol entrarão sorrindo nas bibliotecas. Os policiais se abraçaram entre eles (quando tirem o uniforme nós também nos deixaremos abraçar por eles). A África seguirá dançando. Será um jorro lento e imparável mudando nossa história.
Y.P.T