O Problema da Sinceridade do Poeta
O poeta superior diz o que
efectivamente sente. O poeta médio diz o que decide sentir. O poeta inferior
diz o que julga que deve sentir. Nada disto tem que ver com a sinceridade. Em
primeiro lugar, ninguém sabe o que verdadeiramente sente: é possível sentirmos
alívio com a morte de alguém querido, e julgar que estamos sentindo pena,
porque é isso que se deve sentir nessas ocasiões. A maioria da gente sente
convencionalmente, embora com a maior sinceridade humana; o que não sente é com
qualquer espécie ou grau de sinceridade intelectual, e essa é que importa no
poeta. Tanto assim é que não creio que haja, em toda a já longa história da
Poesia, mais que uns quatro ou cinco poetas, que dissessem o que
verdadeiramente, e não só efectivamente, sentiam. Há alguns, muito grandes, que
nunca o disseram, que foram sempre incapazes de o dizer. Quando muito há, em
certos poetas, momentos em que dizem o que sentem.
Aqui e ali o disse Wordsworth. Uma ou duas vezes o disse Coleridge; pois
a Rima do Velho Nauta e Kubla Khan são mais
sinceros que todo o Milton, direi mesmo que todo o Shakespeare. Há apenas uma
reserva com respeito a Shakespeare: é que Shakespeare era essencial e
estruturalmente factício; e por isso a sua constante insinceridade chega a ser
uma constante sinceridade, de onde a sua grandeza.
Quando um poeta inferior sente, sente sempre por caderno de encargos. Pode ser
sincero na emoção: que importa, se o não é na poesia? Há poetas que atiram com
o que sentem para o verso; nunca verificaram que o não sentiram. Chora Camões a
perda da alma sua gentil; e afinal quem chora é Petrarca. Se Camões tivesse
tido a emoção sinceramente sua, teria encontrado uma forma nova, palavras novas
— tudo menos o soneto e o verso de dez sílabas. Mas não: usou o soneto em
decassílabos como usaria luto na vida.
O meu mestre Caeiro foi o único poeta inteiramente sincero do mundo.
Fernando Pessoa, in 'Ideias Estéticas - Da Literatura'
Numca quis
ser um poeta,
porem,
sempre quis ser homem.
Para ser
poeta faltabame sinceridade intelectual,
para ser
homem faltabame sinceridade humana.
Eu nao sabía
nada dissto.
Agora sei
que nunca serei poeta,
mais tambem
sei que sao e serei homem para sempre.
A poesía tentou
enganarme,
tanto tentou
enganarme que,
mesmo nao
querendo ser poeta,
eu quería
ser um poeta,
inferior,
medio o superior.
Mais tambei
a poesía levoume,
quase
paradójicamente,
a
sinceridade conmigo mesmo,
num percurso
onde sofrer é o caminho
e onde sentir
é o inicio da verdadeira viagem.
Agora que
sinto como um homem,
agora que
sei o que nao sabía,
agora que
reconheço a minha pobreza intelectual,
a minha
torpeza humana,
agora que
sao sinceiro,
nao quero
perder mais nada,
ja estou
preparado para viver e morrer ao teu lado.
Natal 2016
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